novidades

Um olhar jurídico sobre a apreensão de cães de raça

Sobre as crescentes apreensões de animais de raça realizadas pelo Poder Público e outras vezes por particulares, a reflexão se faz necessária

Diante dos recorrentes casos de maus tratos de animais, surgem as operações de resgate que trazem a ilicitude travestida de legalidade. Tem se tornado prática corriqueira a apreensão de cães de raça levada a efeito por um grupo normalmente liderado por um político acompanhado de médicos veterinários, ONGs e policiais que invadem locais (sejam canis ou domicílios) em operações midiáticas. Batem na porta do proprietário que, intimidado, autoriza o acesso ao local.Confere maior visibilidade a filmagem realizada por canais televisivos, o que de certa forma, camufla a situação, na medida em que se consegue manipular muitas pessoas. Em segundos, a vida dessa pessoa virará de cabeça para baixo. Basta que o noticiário tenha alcance local da região onde more o suposto praticante de maus tratos para que a reputação desse sujeito seja atirada na lama. O político também publicará seu vídeo com sua versão parcial e seus fiéis seguidores também replicarão que aquela pessoa é uma abusadora de animais.Acreditando que nem o Poder Judiciário , nem o Ministério Público ou as entidades que regulam criação de animais de raça estejam preparadas para lidar com tais situações, esse artigo propõe uma reflexão .

Não se nega que muitas das vezes a situação de maus tratos salte aos olhos e outra alternativa não reste aos agentes públicos que não a apreensão dos animais maltratados.

No entanto, em outras hipóteses, assistimos a operações que escondem em seu desiderato carga de preconceito, equívoco, ganância e que inebriam quem as acompanha com cargas indutivas traduzidas por expressões como “ lixo de local”, “ olha a situação desses pobres animais” .

As pessoas tendem a acreditar mais em quem profere as frases do que atentar se a situação de fato é mesmo a relatada.

Assim que apreendem os animais de raça os depositários passam a fazer anúncio dos mesmos nas redes sociais, solicitando doações e fomentando a expectativa dos apoiadores de adoção de cão de raça fazendo um “ bem” (adotando animal resgatado) e não um “ mal” (comprando um animal).

Nascedouras no âmbito do açodamento, eivadas de ilicitude são essas propaladas operações e bem por isso, a defesa dos animais que deveria ser seu mote, acaba sendo vilipendiada.

Esse artigo visa trazer a lume tantos malfeitos à guisa de boas ações.

Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º. , que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se o direito de propriedade, assegurando o direito à imagem, à honra, vedado tratamento degradante. No mesmo artigo assegura-se que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal.

A Constituição Federal no artigo 5, inciso LIV, expressamente proíbe a penalidade antecipada, fora do contraditório e ampla defesa.

Nessa toada, em sendo os animais de estimação ou de criação considerados bens semoventes, a sua apreensão de forma unilateral, sem que seja dada a oportunidade do cidadão se defender constitui afronta à Carta Magna.

A Constituição também estatui que a casa é o asilo inviolável do indivíduo, nela não se podendo entrar sem o consentimento do morador , sem ordem judicial competente e salvo em flagrante delito. Ora, se na casa não se pode entrar de maneira ilegítima, muito menos se pode filmar e tornar público o “ modus vivendi” do indivíduo.

Reiteradamente, essas operações não contam com a salvaguarda de um mandado judicial e se possuem tal mandado, este não abrange o ingresso em domicílio de câmeras televisivas, razão pela qual a captação de imagens e sua divulgação pode configurar excesso punível.

Vender animais de estimação, cães, gatos e análogos é atividade lícita, garantida pela Carta Magna, pelo Código Civil e por leis ordinárias.

Assim não cabe ao agente perguntar ao particular se os animais se destinam ou não à venda, eis que de tráfico de drogas não se cuida. Nenhuma apreensão pode ser fundada nessa motivação, nem mesmo quando o Município proíbe a comercialização de animais em determinadas áreas, posto que, para qualquer decisão dessa natureza, é necessária a amplitude de defesa, conforme a norma constitucional.

A Constituição Federal permite e declara livre a liberdade de comercializar, ainda que sem autorização do Poder Público, o que grosso modo, permite que o particular que assim o deseje, possa vender os filhotes de seu cão ou gato.

No artigo 170 , ao defender a livre iniciativa, a Lei Maior permite o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização do Poder Público, salvo nos casos previstos em lei.

O novel legislador ordinário, de forma a valorizar, ressaltar o que diz a Constituição nesse pormenor, ainda diz no artigo 2 da Lei 13874/2019, que os princípios que norteiam a lei são a liberdade e a boa-fé, sendo a intervenção estatal, medida excepcional, além do reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Para fechar a questão no âmbito jurídico, temos ainda a Resolução 51 de 11/06/2019, da lavra do Governo Federal que permite a dispensa de alvarás para atividades de baixo impacto, como a criação de pequenos animais de estimação.

Não se nega que frequentemente ocorram maus tratos, mas a aferição destes, apta a ensejar a apreensão dos animais como medida extrema, somente poderá ocorrer, em casos extremos, a teor da própria Resolução 1236 da lavra do Conselho Federal de Medicina Veterinária, quando os maus tratos sejam evidentes e estremes de dúvida.

O artigo 5 da referida Resolução dividiu em três categorias a classificação dos maus tratos; maus tratos, crueldade e abuso. Ao discriminar de maneira diferenciada as condutas, ainda encarregou o médico veterinário e o zootecnista do dever de orientar os tutores ou proprietários de animais sobre condutas que implicam em maus tratos, abusos e crueldade e suas consequências.

Partindo da premissa que a Lei não contém palavras inúteis, para que haja a apreensão dos animais de estimação ou criação em situação de maus tratos, é necessário haver crueldade, grave omissão ou qualquer situação apta a demonstrar elevado grau de dolo ou omissão por parte do tutor/proprietário.

Havendo dúvida do agente, a indagação que se impõe é: essa situação pode ser revertida pelo dono dos animais em um prazo determinado?

Em havendo situações que podem ser revertidas, dando prazo para o proprietário/tutor se adequar essa será a saída mais consentânea com o texto da Lei.

Por outro lado, o destino dos animais eventualmente apreendidos, não é fiscalizado pela autoridade que concede a apreensão, o que resulta em transportes e depósitos inadequados, trazendo sofrimento, angústia e ferimentos aos seres indefesos.

Os animais são destinados muitas vezes a lugares onde as condições podem ser piores do que a anterior, ou os depositários não possuírem condições econômicas de oferecer a ração adequada, espaço adequado, dentre outros. Tome-se como exemplo, a cidade de Atibaia, no interior do Estado de São Paulo, onde cães de raça, após apreendidos, foram jogados em um terreno onde latiam dia e noite, ganindo em sofrimento, situação denunciada pelos vizinhos.

As associações de cães e gatos de raça, tinham a obrigação de se colocarem como entes de proteção , regulação e fiscalização de criadouros clandestinos, em parceria com os Conselhos de Medicina Veterinária, Ministério Público, Polícia Ambiental, dentre outros, e não o fizeram, cabendo um mea culpa.

As Associações regulatórias (kennels e afins) são as adequadas para recepcionar animais de raça apreendidos e capazes de propiciar tratamento adequado a eles até o final julgamento das ações que autorizaram a apreensão, sendo essa obrigação corolária da própria instituição e dever de cidadania que decorre do ofício que se dispuseram a defender.

Urge que essas associações se apresentem como parceiras dos órgãos públicos no enfrentamento de operações análogas, disponibilizando membro que exare parecer .

Por outro lado, é necessário criar uma frente de combate aos maus tratos , com profissionais das mais diversas áreas, nelas se incluindo psicólogos, (para o caso de acumuladores), médicos veterinários, biólogos, canis idôneos, protetores de animais idôneos , para que em conjunto com o Ministério Público e Poder Judiciário possam conferir um tratamento preciso para essas situações.

TATIANA LA SCALA LAMBAUER

OAB SP 135597

ADVOGADA DA ÁREA PET atuando na defesa dos criadores de cães e gatos de raça

Fonte: https://tattilambauer.jusbrasil.com.br/artigos/1279947847/um-olhar-juridico-sobre-a-apreensao-de-caes-de-raca

  • Texto não reflete obrigatoriamente a opinião do Sindicato Nacional dos Criadores de Animais
Novidades

Gestão de Fauna Exótica no Brasil

  O Advogado Luiz Paulo do Amaral demorou um ano reunindo documentos (2018) e mais três anos analisando dados e processos, públicos e privados. Fruto

Kennel Club não precisa de Registro no CRMV

Em uma decisão recente (24/06/2022) a Justiça Federal no Estado do Paraná Processo número: 5012799-5520214047000/PR , determinou que o Kennel Club não precisa de inscrição

Sindicato Nacional dos Criadores de Animais – SINCA “Xerimbabo”
Avenida Paranoá Quadra 17 Conj 09 Lote 07 Sala 103 – Paranoá, Brasília-DF  
Fone (61) 3369-8525